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Sobre o Regulamento Mercados Digitais: abrir caminho para as startups e as scaleups, por Inês F. Neves

Sobre o Regulamento Mercados Digitais: abrir caminho para as startups e as scaleups, por Inês F. Neves

Sobre o Regulamento Mercados Digitais: abrir caminho para as startups e as scaleups

Escrito por Inês F. Neves, Faculdade de Direito da Universidade do Porto | CIJ – Centro de Investigação Interdisciplinar em Justiça | Morais Leitão – equipa de Europeu e Concorrência, ESG e ML digital clusters

 

O Regulamento Mercados Digitais (DMA) é um ato da União Europeia, diretamente aplicável nos seus Estados-membros (entre os quais Portugal). Procura assegurar a disputabilidade e a equidade dos mercados no setor digital.

Em que é que isso se traduz na prática e em que medida afeta, beneficia ou protege as startups e as scaleups?

O DMA, como mais comummente conhecido, estabelece e impõe um conjunto de obrigações e proibições a um conjunto de grandes empresas com o estatuto de controladoras de acesso ou gatekeepers. Em setembro de 2023, a Comissão designou um primeiro bloco de seis empresas – Alphabet, Amazon, Apple, ByteDance, Meta e Microsoft -, por referência a 22 serviços essenciais de plataforma, noção que inclui serviços de intermediação, de redes sociais ou de plataforma de partilha de vídeos em linha, ou, ainda, navegadores Web, assistentes virtuais ou serviços de computação em nuvem (entre outros…).

Em causa estão empresas que funcionam como verdadeiras portas de acesso para que os utilizadores profissionais (outras empresas) possam chegar aos utilizadores finais. Isto, não apenas por força da oferta de serviços verdadeiramente essenciais no nosso quotidiano, mas, e também, em razão do seu volume de negócios, do número de Estados-membros em que atuam e/ou do número de utilizadores dos seus serviços.

Consciente de que estas “incumbentes” poderão adquirir e explorar abusivamente a sua indisputabilidade no mercado, não apenas pelas vantagens decorrentes dos dados (aos quais as newcomers não têm acesso), como, e bem assim, pelas enormes economias de escala e os consideráveis efeitos de rede que caracterizam os mercados digitais, a União Europeia atua numa lógica preventiva, através de regras que dispensam investigações para averiguar a ilicitude ou o dano decorrente da prática.

Por outras palavras, as proibições e as obrigações aplicam-se, de forma geral e abstrata, às empresas designadas como controladoras de acesso (e a todas que o venham a ser), vedando uma qualquer defesa de eficiências, e limitando fortemente a abertura a exceções contendentes com a proteção da integridade, da segurança e da privacidade dos serviços.

Que obrigações são essas?

O Regulamento organiza as obrigações em torno de “listas”: uma lista negra e duas listas cinzentas. A lista negra prevê as obrigações insuscetíveis de especificação, isto é, de clarificação das concretas medidas a adotar para o respetivo cumprimento. Nela se encontram obrigações relacionadas com as vantagens em termos de acumulação de dados, como as proibições i) de combinação de dados pessoais de utilizadores finais recolhidos de serviços essenciais de plataforma com dados recolhidos de outros serviços; ii) de utilização de forma cruzada de dados pessoais provenientes de um serviço essencial de plataforma noutros serviços prestados separadamente; ou, ainda, iii) de ligação dos utilizadores finais a outros serviços com o intuito de combinar dados pessoais. Além destas, encontram-se, ainda, a proibição de limitação das possibilidades de pagamento ao método de pagamento da controladora de acesso, ou a proibição de subordinação da utilização ou do acesso a um qualquer serviço essencial de plataforma à assinatura de outros (numa ótica próxima do bundling ou tying). Entre muitas outras!…

Já nas obrigações suscetíveis de especificação, encontram-se, por exemplo, preocupações para com i) a garantia de desinstalação fácil de aplicações informáticas no sistema operativo da gatekeeper; ii) a possibilidade técnica de instalação e utilização efetiva de aplicações informáticas ou de lojas de aplicações informáticas de terceiros que utilizam ou interoperam com o seu sistema operativo, iii) proibições de self-preferencing e de iv) obrigações especificamente contendentes com serviços de comunicação interpessoais.

A abertura e a equidade que o DMA, com estas e outras regras, procura alcançar resulta em claro benefício para as startups e as scaleups, que, apesar da sua visão disruptiva, se deparam com múltiplas barreiras à entrada e à expansão, vendo-se frequentemente sujeitas a práticas comerciais desleais.

O DMA reconhece o seu particular posicionamento quando prevê a possibilidade de quaisquer terceiros (incluindo, portanto, utilizadores profissionais e concorrentes de uma ou mais gatekeepers) informarem as autoridades nacionais ou a Comissão Europeia de qualquer prática ou comportamento violador das regras do DMA. Apesar de as autoridades não serem obrigadas a dar seguimento às informações recebidas (o que é discutível!), é este um reconhecimento expresso do seu papel preponderante no enforcement do Regulamento. Acresce não estar sequer afastada a possibilidade de startups e scaleups invocarem normas do DMA nos tribunais nacionais, para suportar pretensões indemnizatórias contra uma ou mais controladoras de acesso. Se o private enforcement falhar, sempre resta a possibilidade de aplicação de coimas, que podem chegar até 10% do volume de negócios total a nível mundial no exercício precedente, da gatekeeper infratora.

Eis, pois, a mensagem do Regulamento Mercados Digitais – as startups e as scaleups devem poder aceder ao mercado. As novas regras são, senão a garantia disso, certamente a oportunidade de aí chegarem, para se diferenciarem pela quantidade, qualidade, diversidade e inovação dos seus produtos e serviços. Enfim, para poderem efetivamente concorrer e crescer, sem mortes à nascença.

Startup Portugal Team • Fevereiro 9, 2024

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